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Repositórios institucionais e acesso aberto

Fernando Rodríguez Chuchón*
Claudia Cifuentes Roca**

A transformação digital produzida no final do século XX teve um grande impacto na interação no espaço acadêmico, particularmente no que diz respeito à comunicação científica. Nesse sentido, o antecedente do surgimento dos repositórios digitais de cunho institucional pode ser traçado a partir do interesse e necessidade dos pesquisadores em comunicar os resultados de suas pesquisas a seus pares, o que no modelo analógico era desenvolvido por carta ou por telefone. As novas tecnologias favoreceram na academia a transferência de informações por correio eletrônico e as incipientes redes eletrônicas da época, com as quais surge o preprint, ou seja, o depósito de uma pesquisa em um servidor para a revisão imediata dos pares acadêmicos antes da publicação formal. Essa experiência tecnológica levou ao questionamento do modelo de negócios das editoras comerciais, para o qual os ativistas acadêmicos da época, juntamente com os primeiros porta-vozes do modelo de acesso aberto, vislumbraram a criação de servidores potentes, além do software pertinente, para a hospedagem de publicações científicas em repositórios digitais, que abrigariam a produção científica dos membros de uma instituição para consulta a qualquer momento e em qualquer lugar do mundo (Galina, 2011).

Portanto, os conceitos de repositórios institucionais e de acesso aberto estão profundamente ligados desde o seu início, pois os repositórios digitais institucionais “favorecem a comunicação pública, aumentando assim a visibilidade e divulgação dos trabalhos armazenados” (Universitat Politècnica de València. Biblioteca, s.d.) e, especialmente, no contexto acadêmico, são plataformas digitais valiosas para a gestão, divulgação e preservação da produção científica de uma instituição, que os converte em elementos estratégicos para atingir os objetivos do acesso aberto (Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação Tecnológica, 2021; Costa & Leite, 2019).

Além disso, o acesso aberto permite não apenas a publicação de preprints, mas também as versões finais de artigos ou manuscritos revisados por pares, por meio da chamada “rota verde”, uma das modalidades de acesso aberto mais utilizadas, que permite seu depósito em um repositório, seja institucional ou temático (Recoleta, s.d.).

A força do movimento de acesso aberto deve-se ao fato de ser um movimento internacional, fundamentado nas declarações de Budapeste (BOAI, 2002), Berlim (2003) e Bethesda (2003), que visam fomentar o acesso livre, ou seja, sem restrição econômica, técnica ou legal para a informação científica, acadêmica, técnica e cultural online.

A Declaração de Budapeste sobre a iniciativa de acesso aberto de 2002 incluiu as principais propostas para a consolidação do acesso aberto: a publicação de revistas em acesso aberto e o arquivo de artigos de revistas em repositórios digitais, sejam institucionais ou temáticos (Costa & Leite, 2019). Vinte anos depois, tanto as plataformas de publicação quanto o volume da produção acadêmica e científica em acesso aberto, para citar alguns elementos do ecossistema de publicação científica, cresceram em número e qualidade, o que influenciou as propostas de novas políticas de acesso aberto por parte das agências de financiamento e instituições acadêmicas e governamentais.

As recomendações no âmbito do vigésimo aniversário da iniciativa resumem-se em que “o acesso aberto não é um fim em si mesmo, mas um meio para atingir outros fins. Acima de tudo, é um meio para a equidade, qualidade, utilidade e sustentabilidade da pesquisa” (Budapeste Open Access Initiative, 2022). A partir dessa premissa, enunciam-se quatro recomendações principais: 1. hospedar os resultados da pesquisa em uma infraestrutura aberta; 2. reformar o sistema de avaliação da pesquisa e das recompensas para melhorar os incentivos; 3. favorecer os canais de publicação e distribuição inclusivos, para que os autores nunca sejam excluídos por razões econômicas; e 4. ao investir dinheiro para publicar trabalhos de pesquisa em acesso aberto, lembre-se de que o acesso aberto é o meio, não o fim (Budapeste Open Access Initiative, 2022). É evidente a ligação entre acesso aberto e repositórios, destacada nos pontos 1 e 3.

Na América Latina, ambos os conceitos encontraram terreno fértil, razão pela qual, apesar do limitado alcance internacional de sua produção intelectual, foi reconhecida “a noção de informação científica como um bem comum” (Cetto et al., 2015), um princípio fundamental alinhado ao movimento de acesso aberto. Um exemplo do interesse da região por essas questões são as primeiras iniciativas de sistemas de informação regionais, tais como BIREME (1967), bases de dados como CLASE (1975), Periódica (1978), IRESIE (1979) e LILACS (1982), além do repositório digital Rede de Bibliotecas Virtuais de Ciências Sociais (1998), que surgiu antes de 2000; bem como a Red Federada de Repositorios Institucionales de Publicaciones Científicas, mais conhecida como La Referencia, que data de 2012.

Por outro lado, Babini e Rovelli (2020) mencionam que os repositórios institucionais de universidades e agências nacionais relacionadas à ciência e tecnologia são o “instrumento privilegiado das políticas e da legislação para sustentar e ampliar a política de acesso aberto na região”. Há alguns anos, vários países da região estabeleceram políticas e normativas de acesso aberto que incluem repositórios institucionais: regulamentação da política de acesso aberto para publicações e dados científicos por meio de leis nacionais (Peru e Argentina em 2013 e México em 2014); declarações e manifestos civis a favor do acesso aberto e propostas legislativas (Brasil em 2007 e 2011); publicação do Manual de Dados Abertos, com recomendações para o acesso e preservação da informação científica e dados de pesquisa (Chile em 2014) e diretrizes para uma futura política de ciência aberta (Colômbia em 2019). Essa formulação de políticas tem significado o crescimento e fortalecimento dos repositórios institucionais, o que fez com que, para o ano de 2020, já houvesse 534 repositórios regionais no OpenDOAR (Directorio de Repositorios de Acceso Abierto)1 (Babini, 2020).

O futuro dos repositórios institucionais mostra-se promissor na América Latina; e mesmo quando alguns países avançam mais que outros, o crescimento dessas plataformas tem se sustentado ao longo dos últimos anos. Até o momento, o OpenDOAR exibe 702 sites (Tabela 1). Da mesma forma, o episódio recente da pandemia e sua sequela atípica de não presencialidade e distanciamento social aumentaram a importância estratégica dos repositórios como fonte de conhecimento ao alcance de todos. No entanto, a questão pendente é a qualidade dos conteúdos e a lacuna digital, desafios que os gestores públicos e privados devem enfrentar e resolver para alcançar o desejado desenvolvimento da região.

Tabela 1
América Latina: Evolução do registro de repositórios 2005-2021

País

2005-2012

2013-2019

2020-2021

Peru

14

149

170

Brasil

56

143

153

Colômbia

25

78

100

Argentina

23

61

72

México

20

43

51

Equador

21

37

38

Chile

10

26

27

Cuba

6

13

14

Venezuela

12

15

16

Nicarágua

1

9

11

Costa Rica

5

8

10

Uruguai

2

7

10

El Salvador

5

8

9

Panamá

4

6

Honduras

1

4

5

República Dominicana

2

4

4

Bolívia

1

2

3

Paraguai

1

2

2

Guatemala

1

1

Haiti

Total

205

614

702

Fonte: JISC (2022). OpenDOAR. https://v2.sherpa.ac.uk/opendoar/about.html

1 OpenDOAR (http://www.opendoar.org/) é um prestigioso diretório internacional de repositórios acadêmicos de acesso aberto.

* Bacharel em Biblioteconomia e Ciências da Informação pela Universidade Nacional Mayor de San Marcos. É chefe do Departamento de Gestão de Coleções da Biblioteca da Universidade de Lima.

** Bacharel em Biblioteconomia e Ciências da Informação pela Universidade Nacional Mayor de San Marcos. É coordenadora do Repositório Institucional da Universidade de Lima.

 

Referências y fontes consultadas

Babini, D. (2020). Tendencias recientes en las políticas de ciencia abierta y acceso abierto en América Latina. En III Foro Virtual DGBSDI-UNAM, México, 5-6 agosto 2020. (No publicado). http://eprints.rclis.org/40957/

Babini, D., & Rovelli, L. (2020). Tendencias recientes en las políticas científicas de ciencia abierta y acceso abierto en Iberoamérica. CLACSO; Fundación Carolina. https://www.clacso.org/wp-content/uploads/2020/12/Ciencia-Abierta-1.pdf

Budapest Open Access Initiative. (2022). La iniciativa de acceso abierto de Budapest. Recomendaciones en su 20° aniversario. https://www.budapestopenaccessinitiative.org/boai20/boai20-spanish-translation/

Cetto, A. M., Alonso-Gamboa, J. O., Packer, A. L., & Aguado-López, E. (2015). Enfoque regional a la comunicación científica. Sistemas de revistas en acceso abierto. En J. P. Alperín y G. Fischman, Hecho en Latinoamérica: acceso abierto, revistas académicas e innovaciones regionales. Buenos Aires: CLACSO. http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/se/20150722110704/HechoEnLatinoamerica.pdf

Consejo Nacional de Ciencia, Tecnología e Innovación Tecnológica. (2021). Directrices para repositorios institucionales de la Red Nacional de Repositorios Digitales de Ciencia, Tecnología e Innovación de Acceso Abierto (RENARE). http://hdl.handle.net/20.500.12390/2231

Costa, M., & Leite, F. (2019). Repositorios institucionales de acceso abierto en América Latina. Biblios (74), 1-14. https://doi.org/10.5195/biblios.2019.328

Galina, I. (2011). La visibilidad de los recursos académicos. Una revisión crítica del papel de los repositorios institucionales y el acceso abierto. Investigación Bibliotecológica, 25(53), 159-183. http://www.scielo.org.mx/scielo.php?pid=S0187-358X2011000100007&script=sci_abstract

JISC. (2022). OpenDOAR. https://v2.sherpa.ac.uk/opendoar/about.html

Recoleta (s. f.). La doble vía al acceso abierto. https://recolecta.fecyt.es/la-doble-via-al-acceso-abierto

Universidad de Lima. Biblioteca. (2022). Acceso abierto: contexto, concepto y otros aspectos. https://libguides.ulima.edu.pe/acceso_abierto

Universitat Politècnica de València. Biblioteca (s. f.). Repositorios: definición, directorios y portales. https://poliscience.blogs.upv.es/open-access/repositorios-2/

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