Políticas públicas para uma lei do livro

Bolívar Lucio
Director da Editorial da IAEN
Presidente da REUDE

A publicação de livros no Equador ainda é um processo atomizado. As iniciativas não são poucas nem recentes, mas não podemos falar de um processo transversal e generalizado que dê conta do alcance e sublinhe a importância das publicações no país. Nem procuram atingir numa escala local os níveis de produção de países como Espanha e México ou mesmo Colômbia ou Argentina; O Equador não precisa publicar milhões de livros por ano, o que os gestores editoriais precisam é de disponibilidade de apoio e ferramentas relevantes que permitam a concretização do maior número de iniciativas.

Este documento revisa a Lei do Livro (LdL) publicada no Registro Oficial 277 de 2006. Não se propõe uma análise comparativa de órgãos jurídicos similares na região, mas sim um exame específico da LdL. A premissa é que na medida em que exista uma regulamentação que tenha por finalidade a promoção do desenvolvimento e da competitividade da indústria editorial, da criação literária, da divulgação do livro “como meio fundamental para a consolidação da identidade nacional e do desenvolvimento socioeducativo da população”, a produção editorial continua a depender dos recursos, capacidades e abrangência de cada instituição. Como consequência do exposto, a sustentabilidade de um projeto editorial depende, por exemplo, da existência de recursos públicos ou, se os recursos não forem o ponto nodal, das possibilidades de divulgação desse trabalho.

É certo que o Equador não é o único país do mundo onde se sofre momentos de aperto fiscal, primeiro, no andamento normal de iniciativas que promovem as artes e as culturas; Mas é justo salientar que têm havido campanhas de leitura que têm procurado promover a edição de livros de autores equatorianos, obras clássicas e contemporâneas, dirigidas a diversas faixas etárias, através de vastas tiragens, que são incluídas nos currículos e distribuídas a centros de educação pública., bem como vários pontos de venda a preços de venda convenientes. Para quem escreveu e publicou um livro com um esforço significativo, a possibilidade de ter a sua obra conhecida graças a um esquema massivo de impressão e distribuição é, em última análise, uma oportunidade não negligenciável e não existiria de outra forma; mas é aqui que os problemas começam.

Talvez a origem dos inconvenientes seja múltipla, mas é evidente que é necessário algo mais do que a mera disponibilização de um romance como Huasipungo1 para a criação de hábitos de leitura e a fundação de um acervo cultural que tenha sua base nos livros. Também é conveniente saber quais leituras são adequadas para cada público; o livro mais transcendente não pode necessariamente ser considerado o instrumento formador de bons leitores. Além disso, a informação chave são as competências de leitura das crianças e jovens, que podem não ser as mesmas nas escolas e faculdades distantes dos centros urbanos do que no interior e em outras regiões. Por último, é um esforço significativo construir a logística que permita a entrega dos livros aos centros educativos de todo o país, mas é preciso antecipar que este livro permanecerá disponível após o ano letivo ou por um determinado ciclo de leitura, o que pode ser resolvido com o fornecimento e manutenção de um sistema de biblioteca adequado.

A LdL (artigo 2, literal b) afirma que seu objetivo é “proteger a indústria editorial equatoriana, através da promoção e apoio à produção, edição, coedição, importação, distribuição e comercialização de livros”. Os textos subsequentes chamam a atenção para os direitos intelectuais e autorais, incentivando os autores e colaborando com o sistema de bibliotecas. O artigo 3º menciona a criação de uma Comissão Nacional do Livro vinculada ao Ministério da Educação2, que procuraria prestar assessoria em áreas como créditos a gestores e projetos editoriais e apoiar a empresa nacional de correios3 nos envios de livros no território nacional. O artigo 4º aponta a formação e capacitação de pessoas do ecossistema editorial, apoio à importação e comercialização, produção e exportação, coedição e estímulo ao hábito de leitura.

Esta lei substitui a Lei de Fomento ao Livro de 1987, que sugere que a iniciativa não era singular e que este tipo de iniciativa. Ou seja, foram reconhecidas a problemática e a necessidade, bem como a relevância das estruturas institucionais às quais seria atribuído um orçamento para o seu funcionamento. No entanto, um exame detalhado do sector e do contexto ainda é uma tarefa pendente. A atual direção da Câmara do Livro, que na LdL é uma instância chave de articulação e aconselhamento, salienta que a lei não teve continuidade e uma parte importante da discussão limita-se à organização de uma feira do livro em Quito que, apesar das experiências anteriores mais ou menos satisfatórias e das experiências recentes menos que satisfatórias, não se consolidou como o evento cultural internacional em torno do livro que a capital de uma nação latino-americana demanda.

A Feira do Livro de Bogotá é um evento massivo organizado há mais de trinta anos. É um evento pago (qualquer pessoa deve comprar ingresso) com a participação de meio milhão de pessoas, reúne expositores, especialistas, autores, o pavilhão universitário (ocupado apenas por editoras universitárias) deve ter uma área de 2.000 m2 e é organizado por uma convergência de negócios e interesses culturais e educacionais, investimentos privados e públicos. É mais do que evidente que as necessidades aqui, em Buenos Aires ou em Lima, não podem ser radicalmente diferentes. Um órgão jurídico operacional não precisa inventar nada de muito novo e a LdL de 2006 poderia ser atualizada em áreas como a edição digital, o acesso aberto, a ciência aberta, etc., mas os nós críticos para tornar a gestão editorial (industrial ou artesanal) sustentável já existem: apenas precisam ser operacionalizados.

Na base da política pública é necessária uma que permita tomar decisões e direcionar ações. Num contexto social desigual, também no espaço editorial universitário, em que os recursos não são os mesmos e as capacidades de uma universidade privada em Quito não são as mesmas de uma universidade pública numa província amazônica; no entanto, políticas públicas adequadas são tão importantes como as infraestruturas, porque as políticas fornecem um quadro de referências, definições sobre o que as editoras universitárias pretendem alcançar e em quanto tempo.

É fundamental superar a discussão que parece superficial. Não é irrelevante, mas o cerne do problema não está no fato de escolher a editora que publica os livros do plano de leitura ou se a Feira do Livro de Quito se realiza durante dezembro ou maio num edifício histórico do centro colonial ou distante das ruas estreitas em um moderno centro de convenções. É muito mais importante que seja possível garantir, sem lacunas, que uma sociedade seja capaz de ler livros e escrevê-los; isso antes de fazer grandes tiragens e tentar vendê-los. Partindo do pressuposto de que a educação básica poderá ganhar consistência, é necessário reconhecer que o hábito de leitura é um hábito mutante e que é fundamental para que as crianças encontrem prazer, também gradativamente, nesse hábito. Não é necessário que um jovem tente ler o romance que “inaugura o modernismo”, “renova o realismo”, pode ser necessário começar pelos rudimentos e isso não é mau e renderá dividendos no futuro. É bom apoiar autores e editores insurgentes, criativos e suas plataformas; mas esse é um processo diferente: um literato e seu editor não precisam ser aqueles que os ensinarão a ler.

Para terminar. Talvez com algumas zonas cinza, o âmbito da edição universitária é um dos literatos, isto é, das pessoas que leem e escrevem. É esse espaço que precisa ser nutrido, o da Pesquisa acadêmica. Embora possa não ser evidente, a identificação dos problemas, a definição dos problemas, as metodologias, os referenciais teóricos, o delineamento da escrita acadêmica, são etapas essenciais, porque da pesquisa emergem os manuscritos que as universidades editam. Os livros e os autores devem então ser o centro das trocas, das conversas em lugares periféricos para que as experiências rompam a barreira endogâmica, primeiro na escala local e depois na escala regional.

1 De Jorge Icaza (1906-1978), é um clássico equatoriano da literatura realista da década de 1930.

2 Naquela época, o Ministerio de Educación y Cultura; hoje são duas instituições diferentes: Ministerio de Cultura y Patrimonio e Ministerio de Educación.

3 Sob o argumento de problemas financeiros agravados pela pandemia, o ex-presidente Lenin Moreno liquidou o Correos del Ecuador em maio de 2020.

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