A Inteligência Artificial e suas implicações para a produção acadêmica e científica

Susane Barros*
Flávia Rosa**

 O crescimento acelerado da Inteligência Artificial (IA) ocorreu por volta de 2010, embora esta expressão criada há décadas, parecesse, anteriormente, pertencer apenas aos filmes de ficção científica. Na atualidade, a IA foi incorporada ao nosso cotidiano através de vários usos, desde o menu eletrônico de um call center, passando por aplicativos de trocas de mensagens, navegação por Global Positioning System (GPS), até sistemas automáticos de interpretação de imagens e muitas outras possibilidades que essas redes neurais artificiais têm abarcado. Destaca-se ainda a aplicação da IA no âmbito educacional, já que as plataformas de Learning Management System (LSM) são usadas para monitorar os dados de acesso e interação dos estudantes nos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA).

A maioria das pessoas, em termos globais, tiveram o seu primeiro contato com a IA Generativa, através deste chatbot projetado para gerar textos a partir da solicitação de um usuário, por meio de simulação da conversação humana (Lund et al., 2003) apenas em novembro de 2022, quando foi lançado ChatGPT – criado pela OpenAI (Introducing Chatgpt, 2022). Esta reflexão, no entanto, estará centrada nas implicações que a IA traz para a produção acadêmica e científica que requer o desenvolvimento e a constituição de sujeitos autores. Posicionamentos sobre a questão da autoria têm sido requeridos, recaindo, em particular, na produção no âmbito acadêmico, abrangendo as Instituições de Ensino Superior (IES) e centros de pesquisa, chegando ao final de um percurso que é a disseminação dos resultados de pesquisa através de canais informacionais.

Sabe-se que a aplicação da IA na pesquisa tem contribuições efetivas como: automação e eficiência em análise de dados – graças ao emprego de tecnologias, como aprendizagem profunda (deep learning) e grandes modelos de linguagem (Large Language Models, LLM); colaboração e comunicação entre pares; e até mesmo possibilidade de tradução e acesso a informações, aliados ao acesso aberto; bem como a utilização na ciência participativa e cidadã, uso este em projetos realizados on-line e baseados em crowdsourcing (Pociano, 2023). No entanto, é necessário levar em conta que a IA não se utiliza de uma ética própria e cabe as instituições, entidades de pesquisa definirem “[…] melhores práticas que possam ser replicada em uma ampla variedade de configurações.” (Kremer, 2022, p. 90). A tarefa não é nada fácil, o sistema é complexo, mas algumas iniciativas já se concretizaram como o guia Ethics Guideline for Trustworthy AI (2019), elaborado pela Comissão Europeia e o posicionamento da Universidade de Direito de Harvard, através do Berkman Klein Center for Internet & Society que “[…] [está] próximo de enfrentar o hiato entre os princípios éticos gerais e um arcabouço ético aplicado ao desenvolvimento de tecnologias de inteligência artificial.” (Kremer, 2022, p. 92).

Estamos sendo convocados a repensar o próprio conceito de autoria diante das tecnologias IA, já que a produção de textos acadêmicos e científicos envolve questões que se situam na reflexão da ética da comunicação científica e conduzem para o reconhecimento de outras vozes. O uso do ChatGPT suscita ainda muitas questões em torno do direito autoral, do plágio e da falta de transparência, indo em direção oposta à ciência aberta, já que o funcionamento interno das IAs de conservação pode ser ocultado (Dis et al., 2023). Quando os computadores e a internet se tornaram mais acessíveis, o ato de copiar e colar parece ter aumentado e afetado o uso ético da informação, pois as pessoas passaram a se apropriar indevidamente de informações disponíveis na internet como se não tivessem uma autoria. Isso é grave não apenas pelo reconhecimento da produção do outro, mas porque, para constituir-se como autor o indivíduo deve agir de forma ética e apontar para o trajeto que percorreu, que fontes acessou e, assim, ressignificá-las em sua construção autoral. E isso torna a discussão ainda mais complexa.

Essa questão da autoria, preocupa também a indústria editorial em função das “incertezas legais”, conforme reflexão de Peter Schoppert, diretor da Cingapura NUS Press, que mencionou em sua palestra realizada em agosto de 2023, no Brasil, o Fair use, adotado no Estados Unidos, que permite “o uso de material protegido por direitos autorais sob certas circunstâncias, sem a necessidade de pedir a autorização – como possível balizador da circunstância por ora, sem ignorar questões relacionadas à privacidade, moral, ética e contratos” (Sobata, 2023). No entanto, uma instigante reflexão trazida pelo informativo semanal, Proyecto451, edição 526 de 11 de agosto,1 intitulada “¿La creación de LLM se convertirá en el nuevo generador de ingresos para las publicaciones académicas?”, aponta que, embora seja bastante representativa o temor à IA, é provável que as empresas de IA, busquem o conteúdo resultante da pesquisa científica, através das editoras acadêmicas, convertendo-as em provedoras de conteúdos críticos, avaliados e, portanto, como fontes confiáveis. O conteúdo será cada vez mais uma importante “moeda de valor”, sobretudo para o LLM seja para uso público ou privado e este conteúdo terá que preencher alguns requisitos: ser verificado, ter alta qualidade e revisado por pares.

É indiscutível que a IA como ferramenta, com certeza trará avanços científicos, pesquisas compartilhadas, sendo uma grade aliada da ciência participativa e cidadã, no entanto é preciso se estabelecer procedimentos e orientações para usos, considerando a ética e respeitando a autoria.

* Diretora da Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA) e da Região Nordeste da Associação Brasileira de Editoras Universitárias (ABEU). Professora do Instituto de Ciência da Informação da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mestre em Ciência da Informação e doutoranda em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

** Docente titular aposentada da Universidade Federal da Bahia e professora permanente no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre a Universidade Federal da Bahia (PPGEISU-UFBA). Doutora em Cultura e Sociedade pela UFBA com estágio doutoral na Universidade do Minho (Portugal), responsável pela implantação do Repositório Institucional da UFBA.

Referências

DIS, E. A. M. van; Bollen, J.; Rooij, R. Van; Zuideman, W.; Bockting, C. L. (2023). ChatGPT: five priorities for research. Comment. Nature, 614, 224-226. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/36737653/ Introducing Chatgpt. (2022).

Openai. https://openai.com/blog/chatgpt.

KAUFMAN, D. (2022). Desmistificando a inteligência artificial. Belo Horizonte: Autêntica, 2022.

LUND, B. D.; Wang, T.; Mannuru, N. R.; Nie, B.; Shimray, S.; Wang, Z. (2023). ChatGPT and a new academic reality: Artificial Intelligence-written research papers and the ethics of the large language models in scholarly publishing.

Journal of the Association for Information Science and Technology, 74 (5), 570-581. https://asistdl.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/asi.24750.

PONCIANO, L. (2023) Reflexões sobre o Emprego de Inteligência Artificial em Ciência Participativa e Cidadã. Civis. Plataforma de Ciência Cidadã.

Proyecto451, Edição 526, 11 de agosto de 2023. bit.ly/3stPVlR

SOBATA, G. (2023). Encontro da CBL em Atibaia discutiu inteligência artificial, desenvolvimento sustentável e inovações no setor editorial. Publishnews. Mercado Editorial. https://www.publishnews.com.br/materias/2023/08/07/encontro-da-cbl-em-atibaia-discutiu-inteligencia-artificial-desenvolvimento-sustentavel-e-inovacoes-no-setor-editorial.

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