Enrique Gea-Izquierdo
Professor da Pontificia Universidad Católica del Ecuador. Facultad de Medicina
E-mail: enriquegea@yahoo.es
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7123-6251
Na última década, a preocupação com a saúde cresceu notavelmente em todo o mundo; principalmente devido à persistência de uma deterioração das condições de vida (ou do meio ambiente) em certos âmbitos e ao aparecimento de novos fenômenos de doenças. Em geral, existe um desconhecimento mais ou menos extenso das condições sociais e econômicas que influenciam o estado de saúde de certas comunidades.
Red de Editoriales Universitarias de Ecuador (REUDE) reivindica a relação entre “espaço, território e academia”. Para melhor compreensão desse eixo, considera-se adequado descrever o espaço ou território como um lugar que, associado à academia, entre outros, é tratado sob a vertente epidemiológica associada à pessoa e ao tempo. Este enquadrado no método epidemiológico nada mais é do que o método científico aplicado aos problemas da saúde e doenças na população. De fato, é possível identificar as mesmas etapas que as do conhecimento científico e é na primeira etapa, a observação do fenômeno, em que o fenômeno de interesse será caracterizado em função das variáveis de pessoa, tempo e lugar.
Na Saúde Pública, o estabelecimento de relações bilaterais e o respeito ao coletivo é um direito. A abordagem é realizada de forma intercultural e participativa, garantindo o território e tudo o que nele se integra. Este último inclui a biodiversidade e os recursos implícitos, através do princípio da determinação e autonomia globais. Portanto, a busca pela redução das iniquidades em saúde não deve subestimar os elementos distintivos das comunidades nem afetar a vida da comunidade e suas tradições.
Em tempos de pandemia e pelo uso desse termo, devemos nos referir sem dissimulação à Epidemiologia. Isso inclui múltiplas variáveis, entre as quais demográficas, culturais, ambientais e tantas outras que, por vezes, contribuem para definir o ponto de partida para se considerar a saúde populacional em nível territorial. No entanto, para garantir o usufruto de um progresso científico que não altere as condições específicas das populações, é necessário fazer com que participem das diferentes aplicações que tal progresso possa gerar. Sem dúvida, o “progresso” se baseia na cooperação exaustiva e respeitosa, assim como nas relações internacionais e nacionais nos campos cultural e científico. Adicionalmente, as comunidades assumem educação em saúde com respeito aos direitos e liberdades universais. No nível epidemiológico, a cobertura é tratada por meio de programas de vigilância em nível geral (países) ou específicos (em certas zonas ou territórios). Não obstante, em pleno século XXI, reconhecem-se as violações dos direitos básicos à saúde que atentam contra a condição humana, considerada indivisível do território e do que ele contém. Assim, entre outros, é necessário contemplar os padrões mínimos de respeito aos direitos das diferentes comunidades: propriedade de suas terras, recursos naturais de seus territórios, preservação de seus conhecimentos tradicionais, autodeterminação e consulta prévia. Adicionalmente, também devem ser considerados os direitos individuais e coletivos relativos à educação, à saúde e ao emprego.
Dada a situação de emergência sanitária em que nos encontramos, o conceito de saúde requer mais do que nunca uma abordagem múltipla que compila os direitos humanos e o ambiente sob o limiar da história e da identidade das comunidades. Da mesma forma, é necessário considerar a relação entre os ecossistemas, o pensamento e a atividade.
Para a descrição e compreensão do conceito de saúde, deve-se voltar à Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral em sua resolução 217 A (III), de 10 de dezembro de 1948, na qual no artigo 25 indica que: toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que lhe garanta, assim como para sua família, a saúde e o bem-estar, e especialmente a alimentação, a vestimenta, a moradia, a assistência médica e os serviços sociais necessários. Da mesma forma, tem-se direito a seguro em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros casos de perda de seus meios de subsistência por circunstâncias independentes de sua vontade (Nações Unidas, 1948). Além disso, é conveniente considerar o que está incluído na Carta de Ottawa e o que foi adotado na Primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em novembro de 1986. A Carta de Ottawa diz que “a promoção da saúde consiste em fornecer aos povos os meios necessários para melhorar sua saúde e exercer um maior controle sobre a mesma” (Organização Mundial da Saúde, 1986). Mas, como entender a saúde sem o meio ambiente? E mais, que dizer do meio ambiente sem integração a ele? Qual a relação da Epidemiologia com o lugar (ambiente)? E a pessoa com este último e o território?
A relação das comunidades com os ecossistemas pode ser extrapolada em qualquer território, uma vez que não se pode negar que existe uma relação estreita entre os ecossistemas e o pensamento e a atividade dos povos. Talvez esse seja um dos motivos pelos quais os movimentos atuais têm a reivindicação de seu território (seus recursos, seus direitos) como a primeira e mais importante de todas as suas reivindicações. A terra e o território específico dos seus antepassados é para cada povo o espaço designado para a subsistência diária, para a relação de culto com todos os habitantes do entorno e seus espíritos tutelares. Cada povo e seus membros não se sentem mais que parte desse imenso entorno que dá vida e saúde (Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde, s.d).
A saúde, entendida dessa forma, é nas comunidades o equivalente à harmonia de todos os elementos que a comprometem. Ou seja, “o direito de ter seu próprio entendimento e controle de sua vida, e o direito à convivência harmoniosa do ser humano com a natureza, consigo mesmo e com os outros, encaminhada ao bem-estar integral, à plenitude e tranquilidade espiritual, individual e social”. Daí se desprende que o bem-estar da pessoa está vinculado ao da comunidade e do entorno (meio ambiente, lugar, território) por meio de práticas que buscam o equilíbrio, ou seja, é holístico (Instituto Interamericano de Direitos Humanos, 2006). Por isso, é difícil entender a saúde quando ocorre um desequilíbrio do meio ambiente, com as implicações epidemiológicas que isso poderia ter.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu em 1946 a saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade”. Essa definição tem sido utilizada em distintos instrumentos de direitos humanos, embora na pandemia em que nos encontramos imersos seja necessário lidar não apenas com a “doença do coronavírus (COVID-19)” ou “condições”, mas também com os estragos do desequilíbrio induzido por eles. Ou seja, a já mencionada falta de bem-estar em alguns de seus componentes.
Nesse contexto, deve-se considerar que, tal como foi proposto pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) a partir dos principais instrumentos internacionais, os direitos em matéria de saúde devem incluir o reconhecimento do direito de alcançar e manter o mais alto nível de saúde física e mental. Tudo isso mediante um acesso sem discriminação a uma atenção adequada, de qualidade e culturalmente pertinente. Igualmente, promover o direito à integridade cultural em matéria de saúde, que ao se sustentar no conceito integral de bem-estar das comunidades, envolve tanto o uso, o fortalecimento e o controle da medicina tradicional como a proteção dos territórios como espaços vitais para a saúde individual e coletiva. Conforme indicado pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Nações Unidas, 2000; Nações Unidas, 2001), a saúde é um direito humano fundamental e indispensável para o exercício de outros direitos. Todo ser humano tem direito ao gozo do mais alto nível de saúde possível que lhe permita viver dignamente. A concretização do direito à saúde pode ser alcançada por meio de inúmeros procedimentos complementares, como a formulação de políticas em matéria de saúde, a implementação de programas de saúde elaborados pela OMS ou a adoção de instrumentos jurídicos concretos. Além disso, o direito à saúde abrange determinados componentes aplicáveis em virtude da lei. O direito à saúde está reconhecido, definido e protegido pelo Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, artigo 12 (Nações Unidas, 1976). Nele, os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa ao gozo do mais alto nível possível de saúde física e mental. Entre as medidas que deverão adotar os Estados Partes no Pacto a fim de assegurar a plena eficácia desse direito, figuram as necessárias para: a redução da natimortalidade e a mortalidade infantil, e o desenvolvimento saudável das crianças; a melhoria em todos os seus aspectos da higiene do trabalho e do meio ambiente; a prevenção e o tratamento de doenças epidêmicas, endêmicas, ocupacionais e de outra índole, e a luta contra elas; e a criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de doença (Gea-Izquierdo, 2021).
Os Estados tomarão as medidas que forem necessárias para lograr progressivamente que o direito à saúde se torne plenamente efetivo. Igualmente, adotarão medidas eficazes para assegurar, conforme necessário, que se apliquem devidamente programas de controle, manutenção e restabelecimento da saúde das comunidades afetadas; programas que serão elaborados e executados pelos diferentes povos (Nações Unidas, 2007).
Como é do conhecimento geral, o estado de saúde de certas comunidades e a cobertura dos serviços de saúde que recebem refletem graves desigualdades em relação ao restante da população. Isso tem um sério impacto no controle da pandemia que, além do “lugar”, se estende a “territórios” com o impacto de muitas “pessoas”. O objetivo seria que eles pudessem desfrutar do mais alto nível de saúde possível e que os serviços de saúde fossem organizados, tanto quanto possível, no nível da comunidade; e ser planejado e administrado em cooperação com as comunidades interessadas. Para isso, levaria em consideração suas condições econômicas, geográficas, sociais e culturais, bem como seus métodos de prevenção, práticas curativas e medicamentos tradicionais. O sistema de assistência sanitária deveria dar preferência à formação e ao emprego de pessoal de saúde da comunidade local e focar nos cuidados primários da saúde. Também precisaria estabelecer vínculos estreitos com os outros níveis de saúde. A prestação de tais serviços de saúde teria de ser coordenada com as demais medidas sociais, econômicas e culturais adotadas em cada país; tudo isso a favor do controle da pandemia que nos assola. Além disso, é claro que, cientes das disparidades em saúde, os países se comprometeram a reduzir as lacunas por meio do cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). No entanto, as avaliações realizadas, assim como as projeções recentes, mostram que, apesar de algumas conquistas terem sido alcançadas no setor saúde, os resultados esperados não serão alcançados nem em tempo nem em forma, a menos que certas estratégias atuais sejam reorientadas.
Bibliografia
Gea-Izquierdo E. Afectación medio ambiental y salud de los pueblos indígenas en Latinoamérica. Territorios, neoextractivismo y derechos indígenas en Latinoamérica. El Colegio de la Frontera Norte. Universidad Juárez del Estado de Durango (UJED). Durango; México: 2021.
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