
Sayri Karp
Presidente EULAC
Contexto
O panorama da publicação universitária na América Latina é muito diverso. Existem assimetrias que refletem as condições de cada uma das instituições e de seus países de origem e, principalmente, do lugar que a editora ocupa no organograma institucional. Este contexto incide na sua dimensão, seu nível de profissionalização, o número de títulos publicados por ano, a divulgação do catálogo, as vendas e o seu posicionamento no mercado interno e externo.
Há várias décadas, as editoras universitárias latino-americanas se organizam em associações nacionais e na rede de redes que é a EULAC, a Associação de Editoras Universitárias da América Latina e Caribe, que também integra editoras de países que ainda não têm as suas próprias associações. Atualmente a EULAC reúne cerca de 400 editoras que fazem parte de 10 associações de 13 países: ABEU (Brasil, 124 integrantes), ASEUC (Colômbia, 64 integrantes), Altexto (México, 51 integrantes), REUN (Argentina, 46 integrantes), REUP (Argentina, 21 integrantes), SEDUCA (América Central, 20 integrantes), EDUPUC (Costa Rica, 5 integrantes), EUPerú (Peru, 25 integrantes), REUDE (Equador, 8 integrantes) e REDUCH (Chile, 12 integrantes).
Na última década, as associações e redes nacionais têm trabalhado para se conhecer melhor e encontrar estratégias que nos permitam alcançar objetivos comuns. Percebemos que a publicação universitária é uma construção coletiva e que temos em nosso poder a riqueza que a diversidade de coleções e modelos editoriais implica.
A cada uma das ações e projetos que temos realizado, buscamos decisivamente a profissionalização, participar dos desafios do meio acadêmico e universitário e das inovações nas tecnologias de informação e comunicação, bem como enfrentar os desafios da indústria editorial, sempre com o objetivo de fortalecer a publicação universitária.
Assim, podemos dizer que nos últimos vinte anos a publicação acadêmica latino-americana abriu espaços que antes não tinha graças ao seu crescimento e profissionalização e ocupa um lugar cada vez mais importante nos mercados nacionais e em toda a região.
A Publicação como dobradiça entre o que está dentro e o que está fora
A editora universitária está associada ao projeto institucional e suas publicações nascem da relação que a editora tem com as funções substantivas da universidade, é responsável pela conexão entre acadêmicos, conteúdos e leitores, com outras agências e instituições e com a sociedade. É a dobradiça que une o que está dentro e o que está fora. O editor é um intermediário e um promotor da ciência e da cultura. A editora e o catálogo são uma bandeira para promover a internacionalização.
Transformação e comunidade
Independentemente dos diferentes modelos, tamanhos e formas de socializar, distribuir e comercializar conteúdo, a pandemia, que tem sido horrível e desconcertante, obrigou a todos nós a nos fazermos perguntas que antes não tínhamos feito, a ver as coisas sob diferentes pontos de vista, a priorizar e encontrar soluções diferentes para seguir em frente. Percebemos a importância de fazer circular a informação e o conhecimento com maior ênfase e por canais que nem todos tinham desenvolvido. Durante 2020, as editoras universitárias não só não interrompemos nosso trabalho como nos esforçamos ainda mais para organizar os metadados de nossas publicações, ter o catálogo online, ter uma biblioteca digital de livros eletrônicos ou impressos ou ambos, ter uma proposta de acesso aberta ou um programa de promoção da leitura, em suma, para construir um ecossistema digital do livro.
Cientes de ser uma janela importante para nossas respectivas instituições, muitas das editoras dos diferentes países latino-americanos criaram diversas iniciativas no início da pandemia para se comunicar com suas comunidades universitárias e seus leitores, bem como com outras comunidades acadêmicas e novos leitores. Através da EULAC, reunimos esses esforços individuais e respondemos ao isolamento e ao confinamento criando uma comunidade. Os livros ganharam relevância; na verdade, a pandemia revelou ainda mais o quão substancial não é apenas a cultura escrita, mas toda a cultura para sobreviver ao confinamento, doença ou mesmo a morte.
Internacionalização
Em 2018 publicamos o primeiro catálogo de direitos das editoras universitárias latino-americanas e o apresentamos na Feira do Livro de Frankfurt, e em 2020 publicamos o terceiro. Esta iniciativa é uma ponte que estamos construindo para conseguir entrar no debate global da publicação acadêmica e universitária. É também um passaporte para chegar a outros territórios e leitores de outras línguas, um instrumento para promover a coedição e tradução e, ao mesmo tempo, promover o intercâmbio para trazer textos de interesse para as nossas comunidades acadêmicas e estudantis para enriquecer a discussão e o desenvolvimento da pesquisa.
Esta proposta abre um leque de possibilidades para divulgar nossas publicações a nível mundial. A venda de direitos vai muito além de uma simples ação comercial, nossa intenção é promover o diálogo, além de fortalecer o debate e o avanço do conhecimento. Cada um dos saberes que queremos compartilhar demonstra a maturidade de nossos projetos e corrobora a necessidade de promovê-los. Neste sentido, a venda de direitos de tradução e coedição representa uma oportunidade imbatível de promoção da internacionalização.
Articulação
Curiosamente, nestes meses em que todos estivemos presos pela pandemia, fortalecemos a frente comum. Graças a esta sinergia, organizamos no âmbito da Feira Internacional do Livro de Guadalajara no ano passado, um evento para o qual convidamos alguns autores de diferentes editoras universitárias latino-americanas e espanholas a participarem de um diálogo com o público sobre um tema transversal, de interesse geral, um tema que se tornou um dos maiores problemas sociais em todos os nossos países: a violência de gênero.
Como parte deste projeto, montamos pela primeira vez um catálogo temático que contém mais de 500 títulos de 96 editoras de oito países (enlazadas.eulac.org) e que mostra a vasta oferta de conteúdos publicados por editoras universitárias ibero-americanas sobre igualdade, violência, identidade e legislação de gênero que colocamos à disposição de especialistas e leitores interessados.
O Enlazadas contra las violencias de género (Ligadas contra a violência de gênero) nasceu da inquietação dos editores universitários em fazer parte do diálogo, ter voz na agenda pública, disponibilizar conteúdos socialmente relevantes para nossas comunidades e ao público para promover a reflexão e a transformação em busca de uma sociedade mais justa, mais inclusiva e menos violenta. A ideia é que a experiência de Enlazadas se repita este ano tendo como centro outro objetivo comum: a defesa e o cuidado com o meio ambiente, e se torne um projeto duradouro que promova o trabalho conjunto entre autores, editores, distribuidores, livreiros e leitores para intervir no debate público e ajudar a gerar capacidade reflexiva, crítica e transformadora da nossa sociedade.
Profissionalização
Outra questão de vital importância a ser abordada é a profissionalização. Atualmente, em quase todos os países com associação ou rede nacional têm sido realizados fóruns e encontros de profissionalização, pelo que as feiras internacionais dos diferentes países acolheram esta iniciativa, reconhecendo o valor da edição universitária e sua contribuição para a indústria. Por exemplo, na FIL Guadalajara realiza-se o Fórum Internacional de Publicações Universitárias e Académicas; na FIL Buenos Aires realizam-se anualmente as Jornadas de Publicações Universitárias; no Brasil, a ABEU convoca anualmente um encontro nacional com o mesmo objetivo; A FIL Bogotá e a FIL Lima também realizam um fórum anual voltado para editores universitários.
No ano passado, ano em que todas as feiras do livro foram virtuais, também mantivemos virtualmente estes fóruns de discussão, estes espaços de reflexão e formação contínua que são os nossos pontos de contato entre todas as redes e associações.
Visibilidade
O principal objetivo de todas as nossas ações é dar maior visibilidade à edição acadêmica e universitária. Entre todos os projetos, destaca-se a plataforma Ulibros, na qual procuramos reunir todos os catálogos nacionais e dar uma visão conjunta e projeção internacional a toda a produção científica publicada em espanhol e português.
Este portal é fundamental para conseguir a circulação do conteúdo gerado em nossa região. Atualmente a Ulibros já hospedou mais de 30.000 referências, conteúdos de todas as áreas do conhecimento produzidos por editoras universitárias latino-americanas. Para fazer desta plataforma uma referência ibero-americana, convidamos associações editoriais espanholas e portuguesas a fazerem parte dela. Em uma próxima fase, estamos avaliando a forma como podemos transformar este portal em um e-commerce para o benefício de bibliotecas e leitores em todo o mundo.
Este catálogo latino-americano será uma das fortalezas da edição universitária e de cada uma das indústrias editoriais de nossos países. A intenção é que seja um reflexo da riqueza da produção acadêmica das instituições de ensino superior, da contribuição científica e cultural de cada nação, e denote a importância que esses títulos têm para a subsistência da bibliodiversidade.
Bibliodiversidade e multilinguismo
Além da bibliodiversidade, outra questão importante a ser trazida à mesa é deixar claro que a ciência também é publicada em outros idiomas que não o inglês. Ou seja, enfatizar a importância que o conjunto de publicações acadêmicas e universitárias contribui no abastecimento das indústrias editoriais nacionais e internacionais, compostas por grandes monopólios, editoras comerciais, pequenas editoras independentes, etc.; e reconhecer que este grande volume de conteúdo gerado por pesquisadores de instituições de ensino superior demonstra a importância do multilinguismo na ciência, em particular, a utilização do espanhol e do português como línguas para a divulgação de conteúdos científicos e acadêmicos.
Desta forma, o esforço que estamos realizando não só promove a voz da ciência em espanhol e português, mas também promove o multilinguismo e coloca os conteúdos gerados em nossas instituições na mesa de discussão global, além de fomentar o diálogo entre acadêmicos, estudantes, e a pluralidade de possíveis leitores.
Diagnóstico e impacto
No ano passado nos comprometemos com o Cerlalc (Centro Regional de Promoção do Livro na América Latina e Caribe) e o CSIC (Conselho Superior de Pesquisa Científica da Espanha) para a realização de um estudo intitulado Cartografia da edição acadêmica latino-americano. Estamos muito felizes porque instituições e acadêmicos renomados e experientes voltaram seus olhos para a edição universitária. Esta cartografia nos permitirá mapear a publicação acadêmica, nos dará informações valiosas sobre quem somos, o que publicamos, como o fazemos, e nos ajudará a ter um melhor conhecimento deste setor, saber que lugar ocupamos nas indústrias nacionais, identificar boas práticas, ter um maior reconhecimento perante as agências de avaliação, enfim, ter certezas para definir o futuro, e selecionar estratégias que nos permitam dar maior visibilidade e impacto à edição universitária.
Além disso, o resultado da análise e caracterização da produção acadêmica latino-americana será uma ferramenta que nos ajudará a dialogar com as agências avaliadoras de cada país para reavaliar as publicações acadêmicas. Inclusive, esse resultado pode ser determinante para as políticas universitárias de divulgação da ciência.
Conclusão
Sem a circulação de ideias não há desenvolvimento. Os livros geram relações e formam redes entre alunos, professores, pesquisadores, instituições de ensino superior, bem como entre países. Esse elo fomenta a inovação e a troca de experiências e articula o trabalho das academias, representando o sistema nervoso de circulação da informação e do conhecimento, que coloca as universidades em uma posição central.
Queremos ser uma referência obrigatória de consulta e divulgação do conhecimento e das culturas latino-americanas, e uma ferramenta imprescindível de projeção para que nossos autores e livros alcancem novos públicos, para que o pensamento científico que geramos seja participante da reflexão a nível global.
Nosso objetivo é alcançar uma América Latina vinculada e em diálogo permanente com o mundo.