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Publicar em contextos de confinamento

Um desafio para as editoras universitárias

Florencia García
Diretora da Editora UCALP
Universidad Católica de La Plata, Argentina

Editar, publicar textos produzidos por pessoas privadas de liberdade é tornar visíveis vozes não ouvidas, vozes caladas, vozes que querem dizer e que buscam romper os muros para serem ouvidas.

A prática editorial em contextos de confinamento na Argentina tem uma história de vários anos e passa, em sua maioria, por iniciativas que são produzidas a partir de experiências no ambiente universitário. É possível encontrar, como resultado de projetos académicos ou de trabalhos de alunos que desenvolvem estágios, tanto revistas periódicas como livros de um único autor ou antologias que reúnem a escrita de vários autores. Também, mas em número muito menor, algumas editoras independentes e comerciais assumiram a tarefa de publicar esse tipo de material.

As publicações que surgem dessas experiências editoriais têm, quase todas, um denominador comum: os materiais são produto de propostas pedagógicas, na modalidade oficina, que visam aos privados de liberdade desenvolver práticas em torno da leitura e da escrita. Muitas das propostas que hoje se materializam fazem parte de projetos de extensão universitária que visam minimizar os efeitos negativos do confinamento e, a partir dessas práticas, construir projetos culturais.

Esses materiais não são pensados, desde o início do processo criativo, a serem publicados, mas são resultado das atividades realizadas nas oficinas. No entanto, e a partir da vontade dos autores de serem lidos, ouvidos, surge uma procura específica para a sua divulgação. A esse respeito, Rubin (2023) aponta que há, por parte de quem escreve esses textos, uma necessidade de canalizá-los para fora, de circulá-los em diversas áreas fora do confinamento e que isso possibilite sua permanência ao longo do tempo.

O editor adquire um papel diferenciado no contexto das publicações intramuros; seu trabalho expande e transcende a fronteira do que são saberes e conhecimentos específicos com o fim de produzir um bem cultural. O editor também está envolvido com a dimensão da circulação social que, nessas publicações, é parte constitutiva (Rubin, 2019). Vinculação que se fortalece ainda mais se a edição for realizada dentro do âmbito universitário, o que implica cumprir uma das funções substantivas da universidade: a extensão.

Experiência em desenvolvimento

Editar (na/da/contra/apesar da) prisão é centrar a atenção como nunca na voz que se edita, é abrir-lhe espaço e sustentá-la a partir do simples privilégio de nós que o podemos fazer. Não é dar voz, não é um ato assimétrico de caridade. É fazer silêncio, para que o outro possa falar.

Ana Lúcia Salgado (2015)

Na província de Buenos Aires, Argentina, desde 2018, é realizado o programa Pavilhões Literários para a Liberdade, voltado para pessoas privadas de liberdade 1. Constitui uma proposta que busca brindar ferramentas socioculturais e acompanhar a relação entre pares, com suas famílias, com os integrantes do Serviço Penitenciário, estimulando o diálogo como método de resolução de conflitos, sob o lema da “não-violência”.

Por meio de oficinas literárias distribuídas em diferentes presídios provinciais, aqueles que estão privados de liberdade realizam atividades relacionadas à leitura e à escrita. Como resultado do trabalho coordenado por voluntários responsáveis ​​pelas oficinas do programa, surgiu a necessidade de divulgar o material produzido em um dos presídios e realizar essa ação com uma editora universitária. Foi assim que, por meio de um convênio entre a Universidade Católica de La Plata e a capelania do Serviço Penitenciário de Buenos Aires, a Editorial UCALP assumiu o desafio de editar de fora o que era escrito dentro da prisão.

Desde a primeira aproximação com o material e ao tomar conhecimento dos resultados do trabalho realizado pelos animadores junto aos participantes das oficinas, em diferentes pavilhões e presídios, mas principalmente, vendo a qualidade e a quantidade dos textos produzidos, o projeto da Editoria partiu para a ideia de gerar um acervo que pudesse abrigar não só esta primeira proposta, mas também outras que surgiram em diferentes presídios, seja de autoria individual ou coletiva.

O título que inicia a coleção já está em processo de edição. Contém textos e ilustrações de meninos privados de liberdade alojados no presídio de Urdampilleta, município da província de Buenos Aires. O trabalho de edição realizado foi “de fora” e, especificamente, técnico: correção de texto, ajustes e sugestões, design, retoque de imagem, design de capa, etc. Em breve, chegarão as etapas de impressão e distribuição. Esta última será também um novo desafio a enfrentar, uma vez que produzir este tipo de publicação afasta a Editora daquilo que são as lógicas comerciais da indústria do livro, mas aproxima-a da ideia de contribuir, desde o nível universitário, dar visibilidade a outras vozes, novas vozes, não vindas especificamente da esfera acadêmica.

Editar fora o que foi escrito intramuros é um enorme desafio que nos compromete ainda mais com o nosso trabalho de editores. É, como diz Salgado (2015), “focar como nunca a atenção na voz que se edita”.

1 O programa Pabellones Literarios para la Libertad é uma iniciativa conjunta do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos da Província de Buenos Aires e do Serviço Penitenciário de Buenos Aires, Argentina.

Referências

Rubin, M. J. (2019). La actividad editorial intramuros como práctica cultural de extensión universitaria. +E: Revista de Extensión Universitaria, 9(11), 196-214. doi: 10.14409/extension.v9i11.Jul-Dic.8723.

Rubin, M. J. (2023). Papeles y cuadernos de la cárcel: editar la escritura en el encierro. Sinéctica, Revista Electrónica de Educación, (61), e1532. https://doi.org/10.31391/S2007- 7033(2023)0061-00=

Salgado, A. L. (2015). Editar [en /desde /contra /a pesar de] la cárcel. En III Jornadas de Investigación en Edición, Cultura y Comunicación 2015. FILO: UBA.

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